Dia Aberto às Universidades na Fundação Calouste Gulbenkian

28 Novembro, 2018

A canção ainda não chegou ao fim, mas já se batem palmas em êxtase. Entre olhos fechados, sorrisos abertos, acenos de cabeças ao sabor das melodias, a voz de Surma ecoa pela sala pintada de negro, colorida pelos ouvintes e pela energia viva da artista, que enche todo o espaço.

De repente, os olhares começam a desviar-se, e os rostos deixam-se invadir, primeiro pela estranheza, a surpresa, depois por um sorriso de felicidade, o agrado pelos corpos que surgem à sua frente, materializando a música, e tornando-a ainda mais viva. São dois bailarinos, vestidos da cor da sua pele, por quem ninguém esperava, mas que se tornam em mais uma surpresa, que se junta a todas as outras descobertas que o dia permitiu.

Ao centro, Surma encerra com a sua música um dia diferente na Gulbenkian, dirigido aos jovens universitários. Na quarta-feira, dia 14 de novembro, a Gulbenkian acordou para um dia aberto às universidades.

Sim, na Sala 2 há speed dating com gulbenkianos

Quem entra na sala 2 do Edifício Sede, depara-se com a difícil tarefa de escolher um gulbenkiano com o qual deseja passar os próximos sete minutos. Ana Barata, uma das responsáveis pela Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian e Miguel Fumega, pertencente à equipa de produção de exposições do Museu Gulbenkian são dois deles. Com um semblante aberto, Miguel conta aos jovens como é que a produção permite que ideias e conceitos se transformem em mostras de arte.

Nos minutos que o tempo faz parecer segundos, explica como é que uma exposição, cuja logística e trabalho transparente de retaguarda podem passar completamente despercebidos ao visitante, envolve, por um lado, governos e dezenas de carros de patrulha ou, por outro, preocupações de milímetros ou de escolhas rigorosas de materiais para que a obra nada perca até ao momento em que se encontra efetivamente disponível para ser apreciada.

“Pose e Variações. Escultura em Paris no tempo de Rodin”, “Al Cartio e Constance Ruth Howes de A a C” e “Arte e Arquitetura entre Lisboa e Bagdade” são algumas das mostras de arte que a Gulbenkian oferece agora, e que jovens universitários apreciam neste dia especial, colorido pelos panfletos amarelos e pelas cores de outono que pintam os jardins da Fundação.

A orquestra Gulbenkian abre as portas do ensaio

Daqui também se veem os jardins. Estão lá ao fundo, depois do palco. Mas mais do que ver, o fundamental no Grande Auditório é ouvir. A Orquestra Gulbenkian ensaia o seu reportório, e qualquer um dos participantes pode assistir a uma pequena amostra do que são os bastidores e o trabalho de muitos meses que os concertos condensam em minutos, cuja performance é ditada pelos registos dos compositores.

Lorenzo Viotti é o maestro da Orquestra de formação clássica. Num dia em que a Gulbenkian abre a porta aos jovens universitários, os estudantes têm a possibilidade de contemplar um italiano de vinte e sete anos em cima do pódio, a dirigir os músicos. Não há sequer um único telemóvel nas mãos daqueles estudantes académicos. Ali todos sabem que o trabalho, o conhecimento e arte andam de mãos dadas, e o público opta por admirar a maneira como a música se transforma com o tempo e caminha a perfeição com entrega total. Nada mais importa neste auditório.

As palavras também fazem olhos e narizes

À medida que se aproxima a hora de receber um retratómato, jovens com sacos serigrafados vão abandonando o Grande Auditório. Retratómatos são máquinas de fazer retratos onde está um desenhador-retratista que dá vida ao papel através da descrição de quem aceita ver-se desenhado, e que não tem acesso à imagem de quem desenha, mas apenas à descrição da própria pessoa. No final, só é preciso recolher o retrato por uma ranhura e contemplar o resultado da interseção entre a atividade de encontrar palavras para nos definirmos fisicamente e a arte de uma mão que lhes acede e as imortaliza no papel.

“O melhor é não criar expectativas”, avisa o desenhador. Ao sentarmo-nos para nos descrevermos, somos colocados perante um espelho, que nos mostra uma parte dos jardins, que se encontram por detrás das nossas costas. Somos nós e nós próprios à distância de alguns centímetros e à distância de um papel desenhado. Mas quão distantes estamos de nós mesmos?

“O meu nariz é normal”, responde um rapaz sentado à direita. Ouve-se, depois, um riso em reação vindo de dentro do retratómato. “O que estudas?”, pergunta o desenhador. A pergunta pode parecer um pouco desnecessária, tendo em conta que habilitações académicas não interferem com a descrição do rosto. “É mais por curiosidade, para não ficarmos em silêncio”, esclarece o desenhador. “Se não ficares parecida, a culpa é do sistema. Se eu te visse ao vivo, desenhar-te-ia como és”, responde o retratista quando o retrato é recolhido pela ranhura.

 

Receita médica para a alma, por favor

A caminho do consultório, pode ler-se algures numa parede “A poesia é a minha revolução”. À direita, está já a formar-se uma fila de jovens que procuram uma receita médica musical. A música aqui é uma terapia. Samuel Úria, Hélio Morais e Noiserv são aqui os doutores. Têm bata branca, estetoscópio e a solução musical na ponta da língua. No entanto, a musicoterapia está aqui para servir estados de alma. E estados de alma dizem apenas respeito ao paciente e ao musicoterapeuta.

 

Surma fecha o Dia dos universitários na Gulbenkian

Agora é já de noite. É mais fácil perder-se nos jardins, ou mais difícil descobrir o caminho até aos lugares. Houve já tempo de meter o nariz nos Arquivos da Gulbenkian,  ou até conhecer os guardiões do seu Jardim, entre muitas outras atividades que esta quarta-feira na Fundação trouxe aos estudantes académicos.

O concerto da Surma está quase a terminar, e a felicidade nos rostos que sentem a música é comum a toda a plateia. A atenção divide-se em três a partir do momento em que os bailarinos entram. No final, o público levanta-se e com isto termina o Dia Aberto.